domingo, 25 de dezembro de 2011

25-12-2011

Atônito. Não era vão era bem esse adjetivo que julgava mais adequado para se alto definir. Mas lá estava, inerte no sofá. Ao contrário apenas os olhos, atentos ao cristal líquido. Um dia especial, um aniversário de dois mil pra lá anos, uma reunião, um.. uma, união.
Como se unido ao sofá, como se unido ao computador, se unido aos móveis, às almas, ao espírito? Se unia ao vácuo. Se unia apenas a noite, ao som. Mais uma vez, não se unia. Era bom, dizia. Não é a primeira vez... me acostumei... não tiveram o costume. Se apegava com afeto pela sua própria solidão, a defendia não como direito, mas como dever.
Só que neste dia não. Finalmente um dia especial. Queria alguém alí, ao lado, aos olhos, ouvidos, tato, colo. O mundo dentro se transformara. Queria ter presença constatada. Registro. Troca. Alí, agora, já; Queria! Que, que, que, quem?

domingo, 4 de dezembro de 2011

Como você

Assim como você, eu senti o peso dessa relação e sua leveza.
Assim como você, eu não sei mais me despedir.
Assim como você, eu não sei terminar, encerrar tudo o que eu te disse.
Assim como você, eu não sei ao certo porque ainda faço isso.
Assim como você, eu sinto a sua falta.
Assim como você, te quero bem, mas não sei se pra mim é bom esse querer.
Assim como você, eu estou temendo minha nova rotina.
Assim como você, eu digo que há saudade.
E medo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

"um orgasmo pra canção,
um refrão pra oração,
um amém para o tesão:
eu tô falando de sexo, música e religião"

Wander Bêh

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Grandes Olhos

Olhos,
prometo tudo
no começo,
não tenham medo.
Prometo não ser
mais que um momento;
sem culpa, arrependimento;
garanto que tempo certo
não há;
Há espaço, olhos
para todas as cores,
tesouros, amores.
Mas dói
sei que dói
ser dois.
Te peço, só,
agora.
Não sei quanto fico,
meus olhos vão embora.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Conjugação diarréica

Fezes minhas as suas palavras
Fezes suas as minhas palavras
Fezes nossas as nossas palavras
Fezes minhas as minhas palavras.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Carta a uma confusão

Querida,

Eu tenho tanta coisa pra dizer, mas eu não quero. Você não sabe de nada, você só supõe e acredita nisso. Vê se me esquece. Esquece tudo o que você acha que é, que sou, os significados trágico de todas as nossas insignificâncias. Lembre apenas de mim. Não fale mais sobre o que é o amor, você já até acabou se confundindo, percebeu? Não dá mais pra dizer das coisas que eu deixei nas minhas caixas empoeiradas ou que pensa que ainda nem tirei daqui de dentro. Suas fugas rápidas são tão ligadas ao passado quanto acha que são as minhas. Parece rancoroso, mas eu sabia que você era assim, só acho que não precisa mais disso. Quem sou eu? Vá, sim. Se esqueça disso tudo, esqueça que algum dia tivemos algo a dizer. Realmente, pare. Desista de tentar entender meu silêncio. Volte para aqueles braços, você pode até escolher. É uma pena. Eu não tenho mais nada a ver com isso. Só não deixo de sentir. Não ando fazendo muito esforço. Preciso, viu? Vá viajar, vá rever, vá passar uns dias. Deixe a mudinha de ódio pra traz, deixe isso morrer, por favor. Vou tentar não atrapalhar, eu juro. Só não pense que vou me esquecer ou que esqueci, ou que eu não sei do que estou falando. Como tudo isso parece tão óbvio! Até discutimos por causa de nossos deslizes do passado uma vez. Quer dizer, meu deslize. O que ainda tem aí... não faço idéia. Aproveite. Só não venha me contar. Eu já ando sabendo demais e o que eu quero mesmo é nem saber. Só espero que o Dylan esteja certo. “The answer, my friend, is blowin' in the wind”. E se estiver ao vento eu sei que ela chegará aqui primeiro. “The answer is blowin' in the wind”. Não sei por que. É em tempo assim que não acho um nome pra você. Ah, graças a algum deus, eu me sinto louco!

Com sentimentos antagônicos,

Eu.

P.S.: Eu sempre terei coisas pra dizer. Você não vai ouvir.

Pénu

Hoje me vi de pés descalços no escuro. Era a raiz de um arrepio. Tão estranho ver os próprios pés assim, minha própria pele e só, alguns pelos esparsos e nada mais. Pra mim foi simbolo, mas de tanta coisa que por aqui me perco, difícil de explicar - nem isso - de dizer. Mas é que deu saudade de um par. Da escalada de outros dedos, da pequena guerra entre dedões que poderiam se dizer os generais a conquistar um território vasto - o pé inteiro. De deixar hora o pé em cima, hora o pé embaixo, sempre de outro pé que não é o meu. A que pé chegamos. Que pé é esse que me deixa todo bobo, encabulado comigo mesmo, com vontade de gritar, de escrever tolices sobre pés. Ah, que pé.

Não se zangue

Meu amor, "fala baixo senão eu grito". E esse grito poderia ser sua última indesejada surpresa. Ele pode os seus ouvidos ensurdecer para o som da minha voz. Meu amor, não peça explicação. O meu amor é em conta-gotas. Se em contato com seus olhos te lava a alma em abundância. Não tem prazo de validade, vale para qualquer espírito não perecível. Ele é despertador, meu amor, já não precisa mais dormir se o que você precisa de verdade é sonhar. Meu amor, não se zangue. Mas meu amor não é como o seu.
Meu amor,
não te fiz uma canção.
Sem ritmo,
nem aqui acerto a pontuação.
Não tem rima ou verso,
cadência ou harmonia.
Nosso amor não é
levada ou poesia.
Meu amor, é travessão —
Meu amor, te convido. Vem comigo conhecer tudo o que esse amor me deu. Só tome cuidado pra não cair em erro, pensar que é algo teu. Meu amor, sem essa de meu.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Meu amor,
não te fiz uma canção.
Sem ritmo,
nem aqui acerto a pontuação.
Não tem rima ou verso,
cadência ou harmonia.
Nosso amor não é
levada ou poesia.
Meu amor, é travessão —

domingo, 26 de junho de 2011

Movimento I - único

Ando afim

de correr atrás

duma pequena libertação

de ideias antiliberais

Tem gente aí

sem rumo e paz

que traz em si

tudo o que é capaz

Penso em mim

em pedalar

deixar fluir

meu retorno ao lar

Lar?

Paz?

Atrás?


Regurgitofagiei...ei; ei

sábado, 28 de maio de 2011

Devaneios de um Motorista qualquer

“Dá logo a partida. Bota essa chave no contato, sente o motor roncar”, penso. Seguro a maldita chave enquanto olho pra estrada. Essa estrada que parece que não acaba nunca. Talvez não acabe mesmo. Quando parece que vai acabar surge uma bifurcação, e sempre pego o caminho mais longo. Já perdi a noção de quando peguei esse carro. Agora acho que é mais meu do que do seu verdadeiro dono. “Enfia logo a porra da chave no contato, cara! Quanto mais pensa, mais demora. E lerdeza é algo que não combina contigo, chapa”. Tu sabe correr, tu sabe bem. É, provavelmente, a única coisa que sabe fazer direito mesmo. Corre desembestado, corre como se valesse a vida. Pisa no acelerador como se fosse a última coisa que fosse fazer nessa terra que não acaba nunca. Vale a vida mesmo? Vida. Ficar pensando na vida é pra quem tem tempo. Tempo e algo que dê valor a isso. “De que adianta ficar parado pensando na vida se só sei correr, se só isso ainda te faz sentir alguma coisa, maldito?”. Dou um gole no Bourbon, pra ver se surge alguma coragem nessa carcaça vazia. Dou outro. Que nem homem! Chega, vou fumar um cigarro.
“Não coloca nem a chave no contato, e ainda sai pra fumar. Você é ridículo”. Nem isso consigo fazer: fumar dentro do carro. Fumo faz tanto tempo, o cheiro não incomoda, mas não consigo fumar dentro do carro. Ela não gostava do cheiro, claro. Menina doida, por que ainda lembro dela? Ela e aqueles moleques malucos. Corriam feito o diabo, quase tanto quanto eu. Mas e daí que ela não gostava do cheiro, faz tanto tempo. Por onde ela anda? Talvez tenha amarrado seus burros em algum lugar. Ou em alguém. “Teve mais culhão que você! E ainda achou que ela ia ficar contigo… falando que ‘iam fugir pra algum lugar, que iam esquecer daquele racha estúpido’”. Patético, ela nunca fugiria comigo. Ela sabe do que foge, sonha pra onde corre, deseja o que procura. Pode até não achar, mas sabe muito melhor do que eu. “Você só sabe correr. Dá outro gole. Acende seu cigarro”. Só sei correr, não sei sentir. Corro, meu deus, corro. “Sai da porra do lugar, corre.”
*Coloca a chave na ignição, dá a partida*

Post do comparsa Caio de Freitas Paes, do HQ Subversiva

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Mais uma noite

O comprimento das cobertas não servia para dobrar um pedacinho sob os pés cansados, como ele sempre gostava de fazer. Não tinha outra opção. Levou consigo apenas aquilo que deu para carregar. Nunca imaginou que o frio poderia ser tão intenso, cruel, solitário. Sorte ter conseguido emprestado um edredon florido e um pouco poento, mas que cumpria bem a função de aquecê-lo por fora e ainda o fazia recordar outros abrigos que às vezes o faziam acender uma fagulha no coração. Tudo o que queria era dormir um pouco mais - na verdade, pensou em virar a noite toda a espera de quem não o esperava e dele estava fugitiva -, queria aproveitar a falta do que fazer, de compromisso, de se estar em si para o que fosse. Decidiu sonhar. E conseguiu.

Sob a luz incandecente de um apartamento que já nem sabia se era o seu, ela não pensava nele, já há tanto tempo percebeu que era melhor esquecê-lo que sua alma e corpo decidiram atendê-la. Às vezes ainda sobrevinham algumas ondas de mágoas e tristezas, mas uma pequenina dose de raiva era administrada para a salvação, para que não se perdesse numa tentativa de resgatar o passado. Não nasceu pra ficar só, se arranjava como podia e em alguns casos obtia sucesso. Talvez fosse o caso. Não sabia bem o porque, no entanto estava acreditando em um novo alguém ao seu lado. Momento, lugar, dor e riso - tudo colaborava. Só, não, alguma lembrança embassada, porém nem conseguia mais distinguir de quê e isso a acalmava. A trazia de volta ao presente, às poesias e à companhia. Só temia o sono, a hora da solidão. Não sabia ao certo se o que seu coração fazia era dar nós frios ou afrouxá-los, o que fosse já não a enfraquecia.

Sonhava com as promessas. Ainda que tivesse a certeza de serem impossíveis, de terem sido feitas de forma impensada, somente para acalma-lo e deixar que se afastasse menos triste, recaia sobre a crença em seu amor. Acima de tudo, sempre acreditou em seu amor. Esperava que ela aparecesse no dia marcado, na celebração, que ao seu lado sorrisse solta e cantasse em seu ouvido com a voz doce e trêmula de quem ama feliz ou triste, mas ama. Sonhava com os cabelos dela a coçar-lhe o nariz por tê-la com a cabeça descansando em seu peito calmo e acolhedor. Sonhou com o êxtase do último gozo, na noite virada da despedida - esse era um sonho dentro do sonho, pois já sabia que o fim de tudo viria através de um ato tão criacionista quanto o sexo. Por fim, sonhou uma conversa. Um estar lado a lado tão simples e tão deles. Sentia-se incomodado por senti-la incomodada por ele. A perguntava sobre o que estava acontecendo, o que seria do futuro, esqueceu do passado? Não sabia muito bem se esquecer-se disso era algo bom ou ruim, mas devia ser desejado. Viu que todo o onirismo queria como fim aquela resposta. Uma resposta propriamente sua. Não era ela que ia responder. Ela só estava no sonho. Na mente a toda hora, em seu peito a querer partir e ele não concordar. Acordou.

Insônia a contaminava, não de todo ruim. A deixava mais ativa até. Dava mais tempos aos seus textos e poemas, às companhias, às suas trocas com a razão. Pensava que, afinal, foi mais um dia que simplesmente acabou. Não era tão ruim assim. Livre, solta, sua. Gostou. Não se preocupava mais com promessas, ao contrário do ex-amante, tinha o espírito leve daqueles que cumprem sua parte. Só não tinha muita certeza se havia deixado clara a eternidade da sua decisão. Sim, havia. Não através só das próprias palavras, mas das músicas e das rememorações - ritual de passagem para o novo. Tinha em si a certeza de que ia suportar, de que manter a distância já não era algo tão dificil, era desejavel. Quem sabe até isso seja pra sempre? Pensava sem muito alarde. Sem suspiros, sem tantas lágrimas, com um silêncio. Agora era ela. Era outra. É nova, viva. Não se importa com quem não se importou e nem deveria. Viu que quem sempre esteve ao seu lado foi a solidão dela mesma e que talvez a satisfizesse assim. Não quer mais visitas, não quer mais voltas, não interessa muito o que sentem ou pensam. Me interesso mais por mim, sou minha novamente, minhas recordações já foram tiradas e guardadas. Adormeceu.

domingo, 22 de maio de 2011

Não demora, é capaz
de tudo parecer tão besta
das fotos se encherem de poeira
dos sofrimentos virarem lembranças

Não demoro, percebo que tive tudo
que não há mais o que querer
que a vida se coloriu e me esqueceu
que cometo loucuras e vejo que é tudo que querias
(até menos)

Não demore, e vamos caminhar juntos
saberemos mais de nós estando com os nós soltos
Não demore, a verdade que acompanha o amor é frágil
eterna, mas transparente, talvez imperceptível
Não demore, porque não há pontos finais
em nada do que é nosso. Esse ponto,
não demora, vai ser só um acidente

**************************************

Despertei ao pôr-do-sol como havia feito nos últimos dias. Sem sonhar, me descobri apenas do pescoço à cintura - percebi que estava muito frio. Aquele carinho que me agarrava para não sair nunca mais da cama não aconteceu. Senti que fora uma noite inteira insone. Que apesar do tempo ter passado no escuro minha alma estava em claro o tempo todo. Sem o seio em minha mão não é mais possível dormir. Sem a preocupação do amor em me acompanhar ao revirar sobre a cama sou apenas apenas alguém que dorme, não sou mais nada. Estou sozinho, e do que mais sinto falta é do teu seio, macio, quente, meu, só seu. Deixei meu cheiro, um punhado de pelos, algumas feridas e um grande amor. Minha alma, como antes, anda dividida.

**************************************

Você não sabe, mas roubei uma foto sua.
Ouve comigo?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Amor, deles

Já faz mais ou menos uns dois anos. Ele mantinha o velho medo, um receio, algo que o privava de si mesmo, de uma parte sua tão grande e tão quente, por dois anos. Na sua cabeça havia uma lista de coisas, de traços, características, que ele devia procurar numa outra pessoa - estava rendido a ilusão de que só alguém parecido com o passado poderia lhe devolver o que foi tirado, ou melhor o que ele tinha decidido dar, ninguém nunca pediu nada, fez porque quis, porque era o seu jeito, ou falta de.
Nada durava muito. Tudo em vão. Até que encontrou alguém que não se parecia tanto, mas sentiu que era ela. A salvação, o remédio, a própria cura, a volta. Mentira. Mas quando percebeu já estava envolvido demais, queria fugir, continuar olhando para sua lista e buscar o passado. Acabou mantendo. Ficando. Se acomodando. Sabia que não estava certo, que não devia fazer isso com alguém, nem com ele mesmo - talvez fosse pior para ele mesmo. Era frio. Controlado. Um pouco egoísta.
Sua sorte foi que ela não o abandonou, não o temeu. Ela sabia que só ia vencê-lo se entregando, mais que isso, ela tinha certeza que havia alguém ali, um outro ali, que ele não era ele, que ele precisava dele. Encarou aquilo como uma missão. Estava tudo em suas mão, ela sabia desde o inicio. A fragilidade era dele. Medo, dele. Fuga, dele. Desespero, dele. Ela, dela. Amor, deles.
Difícil. A vontade era de, com uma broca, perfurar aquele peito e voltá-lo a vida novamente. Entrar naqueles olhos e entender o que se passou, encontrar um mapa para o que fora escondido. Paciência. Ela estava indo bem, tava mandando ver bonito! Ela sabia.
Ele passível, passível, passava pelo tempo como se o próprio tempo fosse ele.
Ela sempre acima, tudo sob controle. Se conseguisse trazê-lo de volta, pronto. Ele seria dela. Han? Dela? Não! Erro. Ele devia ser dele. Ela se enganou, ela não percebeu. Ela se acabava assim. Ela se dava. Ela se esquecia de si. Não, assim não! Desmoronava. Uma coisa tão bonita, uma dedicação tão pura. Ela ia sumindo. E só ia sobrando ele, quer dizer, aquela parte dele.
Ela não podia mais. Não dá mais. Percebeu que dela pouco sobrava, com ela ele pouco se importava. Se deixou levar. E levaram.
Outra vez? Mais isso agora? Mais de mim vai embora? Ele se perguntava. Se dando conta de que NÂO! Mais dele estava voltando, chegando, de que era sua vez. Ele tinha que fazer alguma coisa, ele podia, devia, fazer alguma coisa, porra!
Era ela, e não é mais. Não era ele, mas agora é. Ele é dele e ela é dela. E deles...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Frestas ínfimas

Gestos acrobatas eram feitos como coreografia entre quatro paredes mal iluminadas. O cheiro dos corpos e seus fluidos se confundiam apenas com o cheiro da chuva que agora já caia mansa. Como se numa dança em que os ritmos de condução pudessem variar cada vez mais rápido, os dois se tornavam um. Da parte posterior das coxas dela começava a escorrer pequeníssimas gotas de suor. Esquecida dentro do armário: uma caixa intacta cheia de camisinhas. Eles não se importavam mais, não queriam saber dos perigos desse mundo, de doenças e desgraças, de acasos e estatísticas. Se fosse para morrer que fosse totalmente pelo outro. Os amantes sabem que dar um pouquinho da vida ao outro é morrer um pouquinho mais para si mesmo. É , talvez, garantir que terão um pouco mais de tempo juntos na eternidade. Eles estavam ali para isso dar um pedacinho de sua vida ao outro. O calor aumentava aos poucos e o prazer se multiplicava aos gemidos - até mesmo aos contidos. Era possível definir um pouco mais a cada minuto as linhas dos corpos de cada um que passavam a brilhar contra a luz do terceiro ou quarto dia de lua cheia que entrava pela porta aberta da varanda. Somente o que se via com perfeição eram os olhos, mas não eles propriamente ditos. Mesmo quando se fechavam, estes espelhos, jorravam luz e significados pelas frestas ínfimas entre os cílios - quatro grandes pares de cílios. Nas mentes desses amantes, já não havia mais tempo, passado, futuro e nem agora. O tempo era totalmente indigno daquele momento, rejeitado. Era uma outra coisa, menos o tempo. O desejo não era chegar ao ápice, era prolongar o amor, gera-lo. Depois dali viria a despedida, algum dia, escassez, deserto. Era preciso garantir o alimento. Com os corpos em repouso, um sobre o outro, tentavam fazer o possível para que o maior espaço possível de pele fosse revestida por outra pele, a fim de se identificarem com suas próprias almas. Que agora tinham seu momento e visto que não temiam mais a solidão e outros medos.

domingo, 1 de maio de 2011

-

Os amantes sabem que dar um pouquinho da vida ao outro é morrer um pouquinho mais para si mesmo. É , talvez, garantir que terão um pouco mais de tempo juntos na eternidade.



Te criei grande dentro de mim
Te fiz maior que o mundo
E o meu mundo sou eu
Se eu pude te dar asas
Não pude te ensinar a voar
Eu nunca soube me lançar aos ares
Sempre disse que iria, mas nunca sozinho.
Agora sou como bronze moldado
Não sirvo para ser observado
Só passo os dias observando eles passarem.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Embaço

Como de costume estava de costas para o chuveiro. Prefiro sentir a água quente iniciar seu deslizar da minha nuca - relaxa e parece levar consigo alguma carga, um peso que não se vê. Tinha acabado de iniciar o ritual, nem houvera tempo da névoa de vapor tomar conta dos espelhos e do vidro esverdeado do box quando senti que meus olhos se tornavam mais quentes e úmidos, embaçando minha vista e salgando minha boca. Não é fácil se dar conta da própria fraqueza, há sempre um receio bobo de ser apanhado, de ter que dar explicações ou de simplesmente ter a certeza de que se está sozinho e ninguém ouviu nada e não se importa. Apesar de tudo, é tão bom ter sentido um fluxo partindo de dentro, como se as gotas encanadas que esperavam ansiosas pela mão que gira a torneira estivessem contentes e chamassem as gotinhas preguiçosas, que repousavam com meus pesadelos em alguma mucosa apertada e escura, para celebrar a via crúcis prazerosa pelo corpo. Me dei conta de que os olhos há tempos clamavam pela nova fertilização. O verde, há muito, deixava-se invadir pelas bordas amareladas de secura. Sabia bem o motivo - talvez, apenas uma banal colocação de um pronome mal-colocado no plural, somado a tudo - que desencadeou a celebração aquosa do momento e me aproveitei dele o máximo que pude para não fechar as comportas da represa. Me agachei. Me desestabilizei. Era o chão. Ele me chamava, como faz com quem quer acreditar na impossível fuga. Me curou. Não podia ficar ali, era hora de levantar, hora de terminar com tudo, encerrar o rito. Voltar ao dia cinza, conter de volta o que não aproveitara a chance de sair, até que novo padecimento se aproximasse. Talvez não demore muito. Preferiria como fato cotidiano, porém, correria o risco de me acostumar, torna-lo trivial. Nada até aqui foi assim, tudo o que a por vir não será - assim espero. Espero que o tempo corra, mas que me dê um pouco mais de si. Ah, tempo, amigo ciumento, que não aceita ser ignorado, como eu, mas ignora aqueles que ainda se lembram que você estará em qualquer lugar, sempre. É a sua condenação. Meus últimos gemidos, minhas últimas angústias, meus profundos suspiros, pequena paz que vem e toma conta. Eu aceito. Por enquanto.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Agudeza onírica


Quando me deito sobre incertezas
os sonhos são como facas.
Tão pequenas quanto agulhas,
Sedutoras no mais belo encrave de espinhos.
Escondidas como pérolas,
Me ferem por mergulhar entre tuas pétalas.
Em minha face já confundidas com o sangue
que escorre dos espelhos.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Caos aqui, caos acolá

Os mais atentos devem estar acompanhando os atuais movimentos políticos e populares que estão ocorrendo no norte da África e Oriente Médio. Revoltas, concentrações populares, retirada de pessoas do poder, fuga de estrangeiros, confrontos entre manifestantes, enfim, o caos completo e necessário, infelizmente, pela ambição do homem.
As motivações que levaram tunisianos, egípcios, libaneses e outros povos árabes são muito parecidas em todos os países: miséria, autoritarismo, desemprego, corrupção e ditaduras.
Se analisarmos friamente veremos que não são temas assim tão distantes de um cenário pelo qual o Brasil percorreu há pouco tempo e que ainda tenta se livrar de muitos vestígios, aliás com muita dificuldade.
Esse caos anda se espalhando pelo globo e não faz pouco tempo, porém de diferentes maneiras. Parece que o mundo está se baseando num sistema que inevitavelmente promove essa desordem. A Europa já ruma para uma etapa incerta de sua história com economias nacionais dilaceradas, falta de emprego e revoltas; os EUA temem a perda da liderança econômica e militar mundial há muito tempo, porém nunca como hoje; Japão e outros países do extremo oriente já não conseguem ter o mesmo desempenho que teve nas décadas passadas; a China cresce às custas da exploração do povo em todos os sentidos e cerceamento de direitos humanos.
Agora é a vez dos atrasados Oriente Médio e África, verem finalmente quais serão seus papéis no mundo globalizado, onde uma crise não é apenas um problema daqui, mas de onde quer que você esteja. A estrutura montada pelo capital para promover o consumismo exacerbado, a luxuria descomedida e o onírico sonho democrático está desabando e ninguém sabe o que fazer, ou onde vamos parar.
O mais incrível é que tudo parece estar certo, todos bem, se desenvolvendo e parece mesmo.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Meu Pecado Capital

Ando tomado pela raiva. Raiva da minha criação, das coisas não aproveitadas no tempo de menino por falta de oportunidades ou de descrença de todas as partes. Raiva da minha alma pequena, que se parece tão pequena quanto as dos corruptos, dos ignorantes, dos idiotas. Raiva de enxergar apena um pequeno horizonte. O pior é que a minha raiva brota da inveja. Não sou como um cão raivoso - sentimento de cão eu não tenho - tenho o que mais deplora o ser humano.