sábado, 28 de maio de 2011

Devaneios de um Motorista qualquer

“Dá logo a partida. Bota essa chave no contato, sente o motor roncar”, penso. Seguro a maldita chave enquanto olho pra estrada. Essa estrada que parece que não acaba nunca. Talvez não acabe mesmo. Quando parece que vai acabar surge uma bifurcação, e sempre pego o caminho mais longo. Já perdi a noção de quando peguei esse carro. Agora acho que é mais meu do que do seu verdadeiro dono. “Enfia logo a porra da chave no contato, cara! Quanto mais pensa, mais demora. E lerdeza é algo que não combina contigo, chapa”. Tu sabe correr, tu sabe bem. É, provavelmente, a única coisa que sabe fazer direito mesmo. Corre desembestado, corre como se valesse a vida. Pisa no acelerador como se fosse a última coisa que fosse fazer nessa terra que não acaba nunca. Vale a vida mesmo? Vida. Ficar pensando na vida é pra quem tem tempo. Tempo e algo que dê valor a isso. “De que adianta ficar parado pensando na vida se só sei correr, se só isso ainda te faz sentir alguma coisa, maldito?”. Dou um gole no Bourbon, pra ver se surge alguma coragem nessa carcaça vazia. Dou outro. Que nem homem! Chega, vou fumar um cigarro.
“Não coloca nem a chave no contato, e ainda sai pra fumar. Você é ridículo”. Nem isso consigo fazer: fumar dentro do carro. Fumo faz tanto tempo, o cheiro não incomoda, mas não consigo fumar dentro do carro. Ela não gostava do cheiro, claro. Menina doida, por que ainda lembro dela? Ela e aqueles moleques malucos. Corriam feito o diabo, quase tanto quanto eu. Mas e daí que ela não gostava do cheiro, faz tanto tempo. Por onde ela anda? Talvez tenha amarrado seus burros em algum lugar. Ou em alguém. “Teve mais culhão que você! E ainda achou que ela ia ficar contigo… falando que ‘iam fugir pra algum lugar, que iam esquecer daquele racha estúpido’”. Patético, ela nunca fugiria comigo. Ela sabe do que foge, sonha pra onde corre, deseja o que procura. Pode até não achar, mas sabe muito melhor do que eu. “Você só sabe correr. Dá outro gole. Acende seu cigarro”. Só sei correr, não sei sentir. Corro, meu deus, corro. “Sai da porra do lugar, corre.”
*Coloca a chave na ignição, dá a partida*

Post do comparsa Caio de Freitas Paes, do HQ Subversiva

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Mais uma noite

O comprimento das cobertas não servia para dobrar um pedacinho sob os pés cansados, como ele sempre gostava de fazer. Não tinha outra opção. Levou consigo apenas aquilo que deu para carregar. Nunca imaginou que o frio poderia ser tão intenso, cruel, solitário. Sorte ter conseguido emprestado um edredon florido e um pouco poento, mas que cumpria bem a função de aquecê-lo por fora e ainda o fazia recordar outros abrigos que às vezes o faziam acender uma fagulha no coração. Tudo o que queria era dormir um pouco mais - na verdade, pensou em virar a noite toda a espera de quem não o esperava e dele estava fugitiva -, queria aproveitar a falta do que fazer, de compromisso, de se estar em si para o que fosse. Decidiu sonhar. E conseguiu.

Sob a luz incandecente de um apartamento que já nem sabia se era o seu, ela não pensava nele, já há tanto tempo percebeu que era melhor esquecê-lo que sua alma e corpo decidiram atendê-la. Às vezes ainda sobrevinham algumas ondas de mágoas e tristezas, mas uma pequenina dose de raiva era administrada para a salvação, para que não se perdesse numa tentativa de resgatar o passado. Não nasceu pra ficar só, se arranjava como podia e em alguns casos obtia sucesso. Talvez fosse o caso. Não sabia bem o porque, no entanto estava acreditando em um novo alguém ao seu lado. Momento, lugar, dor e riso - tudo colaborava. Só, não, alguma lembrança embassada, porém nem conseguia mais distinguir de quê e isso a acalmava. A trazia de volta ao presente, às poesias e à companhia. Só temia o sono, a hora da solidão. Não sabia ao certo se o que seu coração fazia era dar nós frios ou afrouxá-los, o que fosse já não a enfraquecia.

Sonhava com as promessas. Ainda que tivesse a certeza de serem impossíveis, de terem sido feitas de forma impensada, somente para acalma-lo e deixar que se afastasse menos triste, recaia sobre a crença em seu amor. Acima de tudo, sempre acreditou em seu amor. Esperava que ela aparecesse no dia marcado, na celebração, que ao seu lado sorrisse solta e cantasse em seu ouvido com a voz doce e trêmula de quem ama feliz ou triste, mas ama. Sonhava com os cabelos dela a coçar-lhe o nariz por tê-la com a cabeça descansando em seu peito calmo e acolhedor. Sonhou com o êxtase do último gozo, na noite virada da despedida - esse era um sonho dentro do sonho, pois já sabia que o fim de tudo viria através de um ato tão criacionista quanto o sexo. Por fim, sonhou uma conversa. Um estar lado a lado tão simples e tão deles. Sentia-se incomodado por senti-la incomodada por ele. A perguntava sobre o que estava acontecendo, o que seria do futuro, esqueceu do passado? Não sabia muito bem se esquecer-se disso era algo bom ou ruim, mas devia ser desejado. Viu que todo o onirismo queria como fim aquela resposta. Uma resposta propriamente sua. Não era ela que ia responder. Ela só estava no sonho. Na mente a toda hora, em seu peito a querer partir e ele não concordar. Acordou.

Insônia a contaminava, não de todo ruim. A deixava mais ativa até. Dava mais tempos aos seus textos e poemas, às companhias, às suas trocas com a razão. Pensava que, afinal, foi mais um dia que simplesmente acabou. Não era tão ruim assim. Livre, solta, sua. Gostou. Não se preocupava mais com promessas, ao contrário do ex-amante, tinha o espírito leve daqueles que cumprem sua parte. Só não tinha muita certeza se havia deixado clara a eternidade da sua decisão. Sim, havia. Não através só das próprias palavras, mas das músicas e das rememorações - ritual de passagem para o novo. Tinha em si a certeza de que ia suportar, de que manter a distância já não era algo tão dificil, era desejavel. Quem sabe até isso seja pra sempre? Pensava sem muito alarde. Sem suspiros, sem tantas lágrimas, com um silêncio. Agora era ela. Era outra. É nova, viva. Não se importa com quem não se importou e nem deveria. Viu que quem sempre esteve ao seu lado foi a solidão dela mesma e que talvez a satisfizesse assim. Não quer mais visitas, não quer mais voltas, não interessa muito o que sentem ou pensam. Me interesso mais por mim, sou minha novamente, minhas recordações já foram tiradas e guardadas. Adormeceu.

domingo, 22 de maio de 2011

Não demora, é capaz
de tudo parecer tão besta
das fotos se encherem de poeira
dos sofrimentos virarem lembranças

Não demoro, percebo que tive tudo
que não há mais o que querer
que a vida se coloriu e me esqueceu
que cometo loucuras e vejo que é tudo que querias
(até menos)

Não demore, e vamos caminhar juntos
saberemos mais de nós estando com os nós soltos
Não demore, a verdade que acompanha o amor é frágil
eterna, mas transparente, talvez imperceptível
Não demore, porque não há pontos finais
em nada do que é nosso. Esse ponto,
não demora, vai ser só um acidente

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Despertei ao pôr-do-sol como havia feito nos últimos dias. Sem sonhar, me descobri apenas do pescoço à cintura - percebi que estava muito frio. Aquele carinho que me agarrava para não sair nunca mais da cama não aconteceu. Senti que fora uma noite inteira insone. Que apesar do tempo ter passado no escuro minha alma estava em claro o tempo todo. Sem o seio em minha mão não é mais possível dormir. Sem a preocupação do amor em me acompanhar ao revirar sobre a cama sou apenas apenas alguém que dorme, não sou mais nada. Estou sozinho, e do que mais sinto falta é do teu seio, macio, quente, meu, só seu. Deixei meu cheiro, um punhado de pelos, algumas feridas e um grande amor. Minha alma, como antes, anda dividida.

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Você não sabe, mas roubei uma foto sua.
Ouve comigo?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Amor, deles

Já faz mais ou menos uns dois anos. Ele mantinha o velho medo, um receio, algo que o privava de si mesmo, de uma parte sua tão grande e tão quente, por dois anos. Na sua cabeça havia uma lista de coisas, de traços, características, que ele devia procurar numa outra pessoa - estava rendido a ilusão de que só alguém parecido com o passado poderia lhe devolver o que foi tirado, ou melhor o que ele tinha decidido dar, ninguém nunca pediu nada, fez porque quis, porque era o seu jeito, ou falta de.
Nada durava muito. Tudo em vão. Até que encontrou alguém que não se parecia tanto, mas sentiu que era ela. A salvação, o remédio, a própria cura, a volta. Mentira. Mas quando percebeu já estava envolvido demais, queria fugir, continuar olhando para sua lista e buscar o passado. Acabou mantendo. Ficando. Se acomodando. Sabia que não estava certo, que não devia fazer isso com alguém, nem com ele mesmo - talvez fosse pior para ele mesmo. Era frio. Controlado. Um pouco egoísta.
Sua sorte foi que ela não o abandonou, não o temeu. Ela sabia que só ia vencê-lo se entregando, mais que isso, ela tinha certeza que havia alguém ali, um outro ali, que ele não era ele, que ele precisava dele. Encarou aquilo como uma missão. Estava tudo em suas mão, ela sabia desde o inicio. A fragilidade era dele. Medo, dele. Fuga, dele. Desespero, dele. Ela, dela. Amor, deles.
Difícil. A vontade era de, com uma broca, perfurar aquele peito e voltá-lo a vida novamente. Entrar naqueles olhos e entender o que se passou, encontrar um mapa para o que fora escondido. Paciência. Ela estava indo bem, tava mandando ver bonito! Ela sabia.
Ele passível, passível, passava pelo tempo como se o próprio tempo fosse ele.
Ela sempre acima, tudo sob controle. Se conseguisse trazê-lo de volta, pronto. Ele seria dela. Han? Dela? Não! Erro. Ele devia ser dele. Ela se enganou, ela não percebeu. Ela se acabava assim. Ela se dava. Ela se esquecia de si. Não, assim não! Desmoronava. Uma coisa tão bonita, uma dedicação tão pura. Ela ia sumindo. E só ia sobrando ele, quer dizer, aquela parte dele.
Ela não podia mais. Não dá mais. Percebeu que dela pouco sobrava, com ela ele pouco se importava. Se deixou levar. E levaram.
Outra vez? Mais isso agora? Mais de mim vai embora? Ele se perguntava. Se dando conta de que NÂO! Mais dele estava voltando, chegando, de que era sua vez. Ele tinha que fazer alguma coisa, ele podia, devia, fazer alguma coisa, porra!
Era ela, e não é mais. Não era ele, mas agora é. Ele é dele e ela é dela. E deles...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Frestas ínfimas

Gestos acrobatas eram feitos como coreografia entre quatro paredes mal iluminadas. O cheiro dos corpos e seus fluidos se confundiam apenas com o cheiro da chuva que agora já caia mansa. Como se numa dança em que os ritmos de condução pudessem variar cada vez mais rápido, os dois se tornavam um. Da parte posterior das coxas dela começava a escorrer pequeníssimas gotas de suor. Esquecida dentro do armário: uma caixa intacta cheia de camisinhas. Eles não se importavam mais, não queriam saber dos perigos desse mundo, de doenças e desgraças, de acasos e estatísticas. Se fosse para morrer que fosse totalmente pelo outro. Os amantes sabem que dar um pouquinho da vida ao outro é morrer um pouquinho mais para si mesmo. É , talvez, garantir que terão um pouco mais de tempo juntos na eternidade. Eles estavam ali para isso dar um pedacinho de sua vida ao outro. O calor aumentava aos poucos e o prazer se multiplicava aos gemidos - até mesmo aos contidos. Era possível definir um pouco mais a cada minuto as linhas dos corpos de cada um que passavam a brilhar contra a luz do terceiro ou quarto dia de lua cheia que entrava pela porta aberta da varanda. Somente o que se via com perfeição eram os olhos, mas não eles propriamente ditos. Mesmo quando se fechavam, estes espelhos, jorravam luz e significados pelas frestas ínfimas entre os cílios - quatro grandes pares de cílios. Nas mentes desses amantes, já não havia mais tempo, passado, futuro e nem agora. O tempo era totalmente indigno daquele momento, rejeitado. Era uma outra coisa, menos o tempo. O desejo não era chegar ao ápice, era prolongar o amor, gera-lo. Depois dali viria a despedida, algum dia, escassez, deserto. Era preciso garantir o alimento. Com os corpos em repouso, um sobre o outro, tentavam fazer o possível para que o maior espaço possível de pele fosse revestida por outra pele, a fim de se identificarem com suas próprias almas. Que agora tinham seu momento e visto que não temiam mais a solidão e outros medos.

domingo, 1 de maio de 2011

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Os amantes sabem que dar um pouquinho da vida ao outro é morrer um pouquinho mais para si mesmo. É , talvez, garantir que terão um pouco mais de tempo juntos na eternidade.



Te criei grande dentro de mim
Te fiz maior que o mundo
E o meu mundo sou eu
Se eu pude te dar asas
Não pude te ensinar a voar
Eu nunca soube me lançar aos ares
Sempre disse que iria, mas nunca sozinho.
Agora sou como bronze moldado
Não sirvo para ser observado
Só passo os dias observando eles passarem.