terça-feira, 3 de maio de 2011

Frestas ínfimas

Gestos acrobatas eram feitos como coreografia entre quatro paredes mal iluminadas. O cheiro dos corpos e seus fluidos se confundiam apenas com o cheiro da chuva que agora já caia mansa. Como se numa dança em que os ritmos de condução pudessem variar cada vez mais rápido, os dois se tornavam um. Da parte posterior das coxas dela começava a escorrer pequeníssimas gotas de suor. Esquecida dentro do armário: uma caixa intacta cheia de camisinhas. Eles não se importavam mais, não queriam saber dos perigos desse mundo, de doenças e desgraças, de acasos e estatísticas. Se fosse para morrer que fosse totalmente pelo outro. Os amantes sabem que dar um pouquinho da vida ao outro é morrer um pouquinho mais para si mesmo. É , talvez, garantir que terão um pouco mais de tempo juntos na eternidade. Eles estavam ali para isso dar um pedacinho de sua vida ao outro. O calor aumentava aos poucos e o prazer se multiplicava aos gemidos - até mesmo aos contidos. Era possível definir um pouco mais a cada minuto as linhas dos corpos de cada um que passavam a brilhar contra a luz do terceiro ou quarto dia de lua cheia que entrava pela porta aberta da varanda. Somente o que se via com perfeição eram os olhos, mas não eles propriamente ditos. Mesmo quando se fechavam, estes espelhos, jorravam luz e significados pelas frestas ínfimas entre os cílios - quatro grandes pares de cílios. Nas mentes desses amantes, já não havia mais tempo, passado, futuro e nem agora. O tempo era totalmente indigno daquele momento, rejeitado. Era uma outra coisa, menos o tempo. O desejo não era chegar ao ápice, era prolongar o amor, gera-lo. Depois dali viria a despedida, algum dia, escassez, deserto. Era preciso garantir o alimento. Com os corpos em repouso, um sobre o outro, tentavam fazer o possível para que o maior espaço possível de pele fosse revestida por outra pele, a fim de se identificarem com suas próprias almas. Que agora tinham seu momento e visto que não temiam mais a solidão e outros medos.

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