quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Comunicação XXI ou XY

Ela disse: Como assim? Não entendi o que você quis dizer.
É que meu sinal está falhando, tô passando numa baixada, só dá pra te ouvir como se estivesse bem longe, bem baixinho, daqui a pouco volta ao normal, quando chegar numa subida - ele respondeu.
Do que você está falando? Eu estou do seu lado.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Agenda

Não tenho agendas de papel
Costumo fazer a minha na memória
O problema é que às vezes me esqueço,
e também essa é a solução.
São tantas coisas, tantas datas,
tantas pessoas, tanto tempo.

Precisava de uma brecha
Pra marcar o meu próprio encontro.
"Amarás o próximo como a ti mesmo". Faz total sentido. Existem formas tão peculiares de amar - amar é liberdade.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um homem nu

Quando entrou no ônibus não pôde acreditar no que viu. Logo ali no primeiro par de poltronas, atrás do motorista, ocupando ambos os lugares, adormecido como um justo, com a cabeça recostada sobre uma das mãos apoiada na janela, parecendo quase não respirar: um homem nu.

Nu, simplesmente, nu! Como assim? Não entendia como alguém poderia estar ali, deitado ali em plena luz do dia, trajado apenas pelas suas próprias células e pelos que não eram muitos com exceção das partes que convinham. Será que ninguém estava vendo aquilo, teria enlouquecido, adormecido, desmaiado? Não, era real. Estava ali, dentro de um ônibus olhando um homem nu. Será que ninguém mais estava vendo, ou será que ninguém mais se importava. Não posso ficar no mesmo lugar que ele, não é possível - falava para si.

Os segundos passavam e o coletivo não via obstáculos em seu caminho. Provavelmente, para não ter que pegar um atalho, o motorista aceleraria ao máximo para não chegar ao ponto final ainda mais atrasado. Valetas, lombadas, tartarugas, buracos e poças eram superados com violência pela máquina lotada, donde se ouvia resmungos e sentia-se o bafo quente de muitos corpos aproximados. A cada irregularidade da pista saltava-se mais os olhos para aquele corpo, que devido ao enorme relaxamento permitia os saltos das mais interessantes e ignoradas partes. De súbito, começa a surgir dentro de si um calor, mais intenso ainda do que o que vem dos demais passageiros. Não pode ser, por esse homem, nesse ônibus, com tantas pessoas podendo ver. Mas ninguém via, realmente, ninguém se importava.

O ônibus começava a se esvaziar. Descia um, dois, sete passageiros. Só resta o motorista e esse homem, meu ponto é o próximo. Pensou com certo alívio - não teria mais que se controlar, não teria mais que olhar, que sentir o que quer que fosse, nojo, repulsa, estranhamento, carinho, ternura. Enfim, é minha hora. A porta está aberta, vou. Ele ainda não acordou, pra onde será que vai?

Alcançou a calçada, caminhou sem parar, o sol estava a pino. Aos poucos se sentiu melhor, mais leve, até diminuir o passo. E ria, ria como uma criança, ria com prazer verdadeiro. Ria por conseguir pensar ter se esquecido do que sentiu durante viagem com o homem nu.

Sentidos

Acordei pleno. Cercado pela multidão que em parte se agitava para todos os lados e em outra se mantinha adormecida, exausta pelas vigílias profissionais ou pelos prazeres que acompanham a noite. Era necessário estar aqui. Mais do que nunca é necessário estar, ser, presenciar o que vai se passar. Deixar aflorar todos os sentidos. É ímpossível não ver tudo o que se revela sob a luz do sol. É imprescindível tocar e ser tocado profundamente no corpo e na alma, tocar tudo e todos com o corpo e com a alma. Sentir os cheiros espalhados no ar, do combústivel queimado, dos perfumes exagerados, do hálito dos bêbados sustentados pelas animadas paredes ou amparados pelas calçada, das refeições em seus horários sempre, mais ou menos, exatos, das flores onde que que estejam, nos campos, jardins, canteiros, nos homens e mulheres. Sentir o gosto da saliva, da pele, o doce que há em tudo, e do amargo que nos acompanha, nós querendo ou não. É importante escrever isso antes que o sentimento se despeça, em peça por peça e eu não mais sinta as vontades do que falo, não mais acredite na verdade, como as outras, temporária deste instante. É preciso, mais do que nunca, fazer o que peço, estar com os outros ser parte de um todo. Por que no fim só serei eu. Comigo e com todos o que restará é só o eu.