quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Além do nada e/ou O frio

Era um momento meu,
mas ele quis compartilhar.
Veio sem aviso e me tirou dali,
daquele instante sagrado.
Me levou ao inesperado,
onde eu mais espero.
Lembrei daquela estrela cadente, ou era cometa?
Ao consciente só restou o pedido.
À imaginação o realizar.
Ao corpo os espasmos.
Ao espírito o desencontro.
Ao sonho a emoção.
Injusto. Ele se foi assim.
Passou e abandonou,
além do nada me deu o frio.
Levou tudo,
como se tudo fosse leve como as flores.
Mas deixou as sementes
para que continuem brotando dolorosamente.

Que prazer. Cai em ventania.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tricô

— Eu achei que você não queria mais olhar pra minha cara.
— Bobagem! Você sabe que eu não consigo guardar rancores por muito tempo... e outra, você tem esse seu jeito e pronto, não adianta. Aprendi a não te levar muito a sério.
— Babaca. Tá se achando, aposto. Mas agora é sério. Me desculpa por ter agido daquele jeito. Você estava sendo legal, seus amigos foram legais. Só que meu lado chatinha não suporta coisas legais, tive que ir embora, daquele jeito mesmo.
— Não adianta nada você falar tudo isso. Sabe que não vou com a cara da desculpa e o que foi já foi. Acabou. Sei que você é assim. Somos dois grandes babacas e teimosos – eu um pouquinho menos. E então, não vai rasgar esse embrulho feio.
— Poxa. Isso está tão feio que tô com dó de piorar ainda mais rasgando.
— O presente está dentro dessa coisa, é ele que importa. Vai logo!
— Tá bom... Nossa! Que linda! Olha, serviu certinho. Pediu pra sua mãe fazer ou comprou? Se foi ela que fez, diga que eu adorei.
— Fui eu que fiz.
— Han?
— Tive bastante tempo livre durante as últimas férias de julho. Pedi pra minha mãe e ela me ensinou a tricotar. Não é tão difícil... que foi? Não acredita em mim, ou acha que fazer tricô não é coisa de homem?
— Não, não. Quer dizer sim, não... ou sim, sim. Bem, eu acredito em você e acho que homens podem, SIM, tricotar. Obrigada mesmo, babaca.
— Acho que eu nunca vou conseguir ofender alguém com tanto carinho, nem com tanta frequência.
— Tente. Vai ver que não é tão difícil, assim como aconteceu com o tricô que você aprendeu. É mais fácil se começar com algo que você sabe que também é.
— Como assim?
— Me diz um defeito teu.
— Ah, sei lá. Acho que falo de mais às vezes - outras de menos; reclamo muito de tudo quanto é tipo de coisa, ou situação. Sou um falador.
— Ok. Só que “falador” não é insulto. Tem que ser algo correspondente e incômodo............ Já sei! Você é um grande Boca-aberta!
— HÁ-HÁ! Muito legal, hein? Não sou isso, não.
— Ah, claro que é pare de fazer charme. Então, agora é simples, comece a chamar os outros de “Ô Boca-aberta”. Mas vai com calma, no inicio diz pra quem você conhece, menos pai e mãe. Esses demoram mais pra se acostumar, mas uma hora aceitam.
— Quanta besteira. Valeu pela importante dica. Quem sabe um dia. Sentiu minha falta?
— Você sabe que eu não vou responder essa pergunta.
— Achei que dessa vez podia ser diferente.
— Por que?
— Porque esse nosso encontro é diferente. (não dentro do contexto do texto mas, para mim quando encontro alguém é preciso ser diferente, é preciso ter uma marca)
— Diferente como?
— Na verdade, ele é só meu. Ainda não decidi viajar tantos quilômetros pra falar com você e não peguei prática suficiente com a agulha pra fazer seu gorrinho roxo. Estou só idealizando, imaginando, como ele deveria acontecer, o que eu tenho que falar e o que quero ouvir.
— Quer dizer que eu sou apenas uma convidada participando dos seus sonhos?
— NÃO! Eu não estou dormindo. Estou bem acordado. Talvez sonhando acordado, ou será vivendo dormindo? Parece a mesma coisa.
— Agora você está realmente parecendo um babaca. Por que ao invés de ficar aí parado, pensando em como agir, o que dizer e o que quer ouvir, você não faz tudo isso rolar?
— É difícil... aliás, nem dá pra responder isso. Talvez essa construção toda da minha cabeça seja só mais uma daquelas idéias que a gente tem e que permanecem idéias pra sempre. Como um texto que você tem vontade de escrever e não escreve; uma opinião que tem pra dar e não dá. Nesse caso estou pensando em uma conversa bacana que quero ter contigo um dia. Porém, na verdade, está sendo eu comigo mesmo, nada de mais.
— Pelo contrário! É pelo nada de mais que você deveria começar. Durante toda essa sua viagem mentirosa você não pensou que eu realmente, quero dizer, na vida real, espero ter essa conversa com você?
— Pensei agora.
— AAHHAH! É impossível continuar essa coisa.
— Na verdade me sinto bem. Estou conseguindo me abrir, me expor, com você.
— Cara! Você ta falando com você mesmo e não comigo, entendeu?
— Eu sei, mas parece tão você falando. É como se eu soubesse exatamente todos os seus gestos, modos, as reações...
— Mas você não sabe! Você está criando tudo isso. Tudo o que eu estou sendo posso não ser.
— É, entretanto...
— Entretanto é o cacete. E aí? Você vai aprender o tricô, fazer meu presente, viajar até aqui e ter uma conversa legal comigo?
— Estou pensando em enviar pra você pelo correio.
— Babaca.