O comprimento das cobertas não servia para dobrar um pedacinho sob os pés cansados, como ele sempre gostava de fazer. Não tinha outra opção. Levou consigo apenas aquilo que deu para carregar. Nunca imaginou que o frio poderia ser tão intenso, cruel, solitário. Sorte ter conseguido emprestado um edredon florido e um pouco poento, mas que cumpria bem a função de aquecê-lo por fora e ainda o fazia recordar outros abrigos que às vezes o faziam acender uma fagulha no coração. Tudo o que queria era dormir um pouco mais - na verdade, pensou em virar a noite toda a espera de quem não o esperava e dele estava fugitiva -, queria aproveitar a falta do que fazer, de compromisso, de se estar em si para o que fosse. Decidiu sonhar. E conseguiu.
Sob a luz incandecente de um apartamento que já nem sabia se era o seu, ela não pensava nele, já há tanto tempo percebeu que era melhor esquecê-lo que sua alma e corpo decidiram atendê-la. Às vezes ainda sobrevinham algumas ondas de mágoas e tristezas, mas uma pequenina dose de raiva era administrada para a salvação, para que não se perdesse numa tentativa de resgatar o passado. Não nasceu pra ficar só, se arranjava como podia e em alguns casos obtia sucesso. Talvez fosse o caso. Não sabia bem o porque, no entanto estava acreditando em um novo alguém ao seu lado. Momento, lugar, dor e riso - tudo colaborava. Só, não, alguma lembrança embassada, porém nem conseguia mais distinguir de quê e isso a acalmava. A trazia de volta ao presente, às poesias e à companhia. Só temia o sono, a hora da solidão. Não sabia ao certo se o que seu coração fazia era dar nós frios ou afrouxá-los, o que fosse já não a enfraquecia.
Sonhava com as promessas. Ainda que tivesse a certeza de serem impossíveis, de terem sido feitas de forma impensada, somente para acalma-lo e deixar que se afastasse menos triste, recaia sobre a crença em seu amor. Acima de tudo, sempre acreditou em seu amor. Esperava que ela aparecesse no dia marcado, na celebração, que ao seu lado sorrisse solta e cantasse em seu ouvido com a voz doce e trêmula de quem ama feliz ou triste, mas ama. Sonhava com os cabelos dela a coçar-lhe o nariz por tê-la com a cabeça descansando em seu peito calmo e acolhedor. Sonhou com o êxtase do último gozo, na noite virada da despedida - esse era um sonho dentro do sonho, pois já sabia que o fim de tudo viria através de um ato tão criacionista quanto o sexo. Por fim, sonhou uma conversa. Um estar lado a lado tão simples e tão deles. Sentia-se incomodado por senti-la incomodada por ele. A perguntava sobre o que estava acontecendo, o que seria do futuro, esqueceu do passado? Não sabia muito bem se esquecer-se disso era algo bom ou ruim, mas devia ser desejado. Viu que todo o onirismo queria como fim aquela resposta. Uma resposta propriamente sua. Não era ela que ia responder. Ela só estava no sonho. Na mente a toda hora, em seu peito a querer partir e ele não concordar. Acordou.
Insônia a contaminava, não de todo ruim. A deixava mais ativa até. Dava mais tempos aos seus textos e poemas, às companhias, às suas trocas com a razão. Pensava que, afinal, foi mais um dia que simplesmente acabou. Não era tão ruim assim. Livre, solta, sua. Gostou. Não se preocupava mais com promessas, ao contrário do ex-amante, tinha o espírito leve daqueles que cumprem sua parte. Só não tinha muita certeza se havia deixado clara a eternidade da sua decisão. Sim, havia. Não através só das próprias palavras, mas das músicas e das rememorações - ritual de passagem para o novo. Tinha em si a certeza de que ia suportar, de que manter a distância já não era algo tão dificil, era desejavel. Quem sabe até isso seja pra sempre? Pensava sem muito alarde. Sem suspiros, sem tantas lágrimas, com um silêncio. Agora era ela. Era outra. É nova, viva. Não se importa com quem não se importou e nem deveria. Viu que quem sempre esteve ao seu lado foi a solidão dela mesma e que talvez a satisfizesse assim. Não quer mais visitas, não quer mais voltas, não interessa muito o que sentem ou pensam. Me interesso mais por mim, sou minha novamente, minhas recordações já foram tiradas e guardadas. Adormeceu.
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