Quando entrou no ônibus não pôde acreditar no que viu. Logo ali no primeiro par de poltronas, atrás do motorista, ocupando ambos os lugares, adormecido como um justo, com a cabeça recostada sobre uma das mãos apoiada na janela, parecendo quase não respirar: um homem nu.
Nu, simplesmente, nu! Como assim? Não entendia como alguém poderia estar ali, deitado ali em plena luz do dia, trajado apenas pelas suas próprias células e pelos que não eram muitos com exceção das partes que convinham. Será que ninguém estava vendo aquilo, teria enlouquecido, adormecido, desmaiado? Não, era real. Estava ali, dentro de um ônibus olhando um homem nu. Será que ninguém mais estava vendo, ou será que ninguém mais se importava. Não posso ficar no mesmo lugar que ele, não é possível - falava para si.
Os segundos passavam e o coletivo não via obstáculos em seu caminho. Provavelmente, para não ter que pegar um atalho, o motorista aceleraria ao máximo para não chegar ao ponto final ainda mais atrasado. Valetas, lombadas, tartarugas, buracos e poças eram superados com violência pela máquina lotada, donde se ouvia resmungos e sentia-se o bafo quente de muitos corpos aproximados. A cada irregularidade da pista saltava-se mais os olhos para aquele corpo, que devido ao enorme relaxamento permitia os saltos das mais interessantes e ignoradas partes. De súbito, começa a surgir dentro de si um calor, mais intenso ainda do que o que vem dos demais passageiros. Não pode ser, por esse homem, nesse ônibus, com tantas pessoas podendo ver. Mas ninguém via, realmente, ninguém se importava.
O ônibus começava a se esvaziar. Descia um, dois, sete passageiros. Só resta o motorista e esse homem, meu ponto é o próximo. Pensou com certo alívio - não teria mais que se controlar, não teria mais que olhar, que sentir o que quer que fosse, nojo, repulsa, estranhamento, carinho, ternura. Enfim, é minha hora. A porta está aberta, vou. Ele ainda não acordou, pra onde será que vai?
Alcançou a calçada, caminhou sem parar, o sol estava a pino. Aos poucos se sentiu melhor, mais leve, até diminuir o passo. E ria, ria como uma criança, ria com prazer verdadeiro. Ria por conseguir pensar ter se esquecido do que sentiu durante viagem com o homem nu.
3 comentários:
Será que o homem nú não era ele mesmo não? nu por dentro, se poupando de todo o pudor e sem ser notado por mais ninguém além dele mesmo!
A solidão faz parte daqueles que costumam se olhar por dentro......
no fundo li o texto sem pensar em contextos filosóficos ou do íntimo, ou possiveis sentidos de tal...mas li como quem lê um livro que contem uma história para se ler...
e gostei, e ri e vi...e me causou...
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